23 de março de 2017

A via-sacra da criança 



A via-sacra é uma antiga devoção cristã que praticamos sobretudo na Quaresma e, de um modo especial, na Sexta-Feira Santa. Recorda-nos os diversos passos do caminho de Jesus em direção ao Calvário, até à morte na cruz e sepultura. Presentemente, há muitas pessoas que sofrem na carne as consequências de uma via-sacra constante, que parece não ter fim. A história de milhões de crianças, sobretudo no Sul do mundo, são os caminhos por onde hoje Cristo passa de novo entre nós. A vida delas é uma via-sacra atual, que nós vamos agora percorrer.

1ª Estação: Jesus é condenado à morte

A criança é condenada à morte ainda antes de nascer. Nos países do Sul,
as crianças já nascem com uma dívida, que terão de pagar aos países industrializados.

Os homens inclinaram-se para o mal. Estão a destruir a Natureza.
A maioria dos males são causados pela ambição do dinheiro e do poder.
Eu creio que o dinheiro não é essencial. É mais importante viver feliz com os outros.

2ª Estação: Jesus carrega com a cruz

A criança sofre a carga da violência e do abandono.

Trabalho 12 horas por dia com um salário de miséria. Tenho a coluna vertebral deformada por carregar tijolos à cabeça. Não tive infância para poder brincar.

3ª Estação: Jesus cai pela primeira vez

A criança questiona-nos sobre as injustiças e perigos da sociedade em que vive.

Diversos companheiros da minha escola morreram nos atalhos da montanha ou dos arrozais, ou então em cima de uma ponte.
Outros ficaram sem pernas ou braços.
As minas terrestres são armadilhas perigosas, disseminadas por toda a parte.

4ª Estação: Jesus encontra a Sua Mãe

A criança descobre aquela que será a sua verdadeira mãe: a rua, o grupo, o «gang».

Na rua encontrei a única alternativa possível para a minha vida. Trabalho de sol a sol, mendigo um pedaço de pão, arrumo carros ou roubo nos campos. Vivo nas ruas de São Paulo, de Lisboa ou de Hong Kong e durmo em casas abandonadas, parques ou passeios. Ainda bem que tenho alguns amigos.

5ª Estação: Jesus é ajudado pelo Cireneu a levar a cruz

A criança recebe ajuda para carregar a sua cruz.

Tive de fugir de casa. Vivia na rua. Agora um grupo de pessoas querem resolver a minha desesperada situação. O carinho e o afecto que encontrei nelas ajudam-me a superar muitos problemas.

6ª Estação: A Verónica enxuga o rosto de Jesus

A solidariedade de algumas pessoas reconhece o rosto de Cristo em todas as crianças que vivem abandonadas, exploradas e oprimidas.

Sou uma menina do Equador. Os meus três irmãos mais pequenos já trabalham no campo ou guardam o gado. Não podemos ir à escola. Penso que ninguém se apercebe de nós, ninguém nos dá carinho. Mas não perdemos a esperança.

7ª Estação: Jesus cai pela segunda vez

Com a adolescência, a criança vê aumentar também o seu compromisso de transformar os mecanismos de uma sociedade que a marginaliza e que a mata.

Muitas vezes ralham-me porque sujo as meias, mas pagam-me sempre. Regresso a casa com o que ganho engraxando sapatos na rua, e podemos comer. Somos seis pessoas na família e a minha casa só tem duas divisões: a cozinha e um quarto onde todos dormimos.

8ª Estação: Jesus consola as mulheres de Jerusalém

Nos países em guerra, três em cada dez crianças morrem antes de atingir
os cinco anos. Mas a criança não quer ser considerada unicamente como vítima.

As nossas escolas estão fechadas. A guerra deu cabo de tudo.
Não podemos brincar nem sei onde estão os meus companheiros.
Minha mãe diz-me para não chorar, que a paz chegará em breve, que voltaremos a brincar e a ir à escola.
Não sei porque é que as injustiças dos homens causam tanto sofrimento.

9ª Estação: Jesus cai pela terceira vez

A criança atingiu uma idade em que procura integrar-se no mundo dos adultos. Mas estes continuam a olhar para ela com desconfiança.

Vivo na rua. A rua aceita-me e quer-me tal como sou. Aí roubo, como, vivo. Um dia, talvez um «justiceiro» me mate. Há tempos mataram nove companheiros que dormiam no adro da igreja. Não nos deixam fazer mais nada. Ganhamos a vida como podemos para metermos alguma coisa à boca.

10ª Estação: Jesus é despojado das suas vestes

Às crianças tira-se-lhes a esperança e o desejo de viver.

Que futuro têm as crianças africanas? A fome, as injustiças, o analfabetismo e as doenças fazem-nos antever um futuro aterrador.
No meu país, o Sudão, muitas crianças são despojos de guerra: capturadas como escravas e vendidas para trabalharem em casas particulares ou nos campos.

11ª Estação: Jesus é pregado na cruz

A criança é pregada na cruz da marginalização e do abandono.

A pobreza empurra-me para a rua.
Não sei ler nem escrever.
Não tenho família nem amigos, nem brinquedos, nem escola para frequentar.
Ganho a vida a pulso.
Procuro abrir caminho para conseguir uma vida estável.

12ª Estação: Jesus morre na cruz

As crianças, como Jesus, fazem ouvir o seu grito de desespero e, abandonadas, morrem.

Porque morrem as crianças? – perguntei ao meu pai e ele não me soube responder. Disse-me que há crianças que morrem quando empunham uma arma para irem para uma guerra sem sentido, quando rebenta uma mina no caminho, quando não têm que comer, quando são obrigadas a fazer trabalhos perigosos... Mas, porquê?

13ª Estação: Jesus é deposto no regaço de Sua Mãe

O corpo de milhares de criança e adolescentes regressam à rua – sua mãe –, à margem de uma sociedade que cria pobreza e solidão.

Sou um menino de 15 anos. Nunca conheci um dia de paz no meu país, a Libéria.
Alistei-me no exército porque, sendo soldado, podia conseguir alimentos para a minha família. Os meus pais não queriam que eu me alistasse.

14ª Estação: Jesus é encerrado no sepulcro

As crianças são sepultadas pelos preconceitos e pelas discriminações dos países e das classes sociais.

Encontraram-me numa rua. Tinha sido abandonado pelos meus pais, porque não podiam sustentar-me. Agora vivo com outros meninos e meninas, que também foram abandonados.

RESSURREIÇÃO



Como Cristo, também as crianças e adolescentes ressuscitam para lutar pela justiça e solidariedade. Não há via-sacra sem ressurreição. Não há Sexta-Feira Santa sem Dia de Páscoa. Em frente do sepulcro, temos a esperança de, também nós, transformarmos o mundo numa grande família, onde os pobres, as crianças e os jovens possam viver com aquela dignidade, que tantas vezes lhes é negada.

Fonte: Audácia | Revista Missionária para Adolescentes

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